quarta-feira, 4 de março de 2009

"Smulltronstället"

«É de manhã, Isak Borg inicía um passeio por uma rua vazia, um lugar deserto. Isak olha em volta – as portas e janelas das casas estão fechadas –, avança até ao passeio e encontra, mais à frente, um enorme relógio pendurado por um ferro preso à parede da fachada. Um relógio com a particularidade de não possuir ponteiros, Isak aproxima-se, pára, e observa-o; este balança levemente ao sabor do vento. Retira um relógio do bolso e confirma a ausência dos ponteiros, a ausência do tempo. Enquanto guarda o relógio de bolso, observa o outro, aquele que o impede de seguir a sua exploração. Sob um sol intenso, que parece perturbá-lo, retira o chapéu, leva a mão à testa e refugia-se na sombra da sua incredibilidade, o relógio. Decide avançar pela rua, e percorre alguns metros. Pára, olha mais uma vez em volta, perdido volta para trás para junto do relógio, volta-se e fita o cenário vazio. Na rua, um homem de costas; Isak avança vagarosamente até ele, estende o braço até tocar no seu ombro, o homem vira-se, Isak assusta-se. O corpo que não tem corpo cai no chão e derrama-se pela estrada. Isak avança um pouco mais até à esquina, uma carroça fúnebre puxada e dirigida unicamente por dois cavalos dobra a esquina e dirige-se em direcção a Isak; passa por ele e mais à frente, uma das rodas traseiras embate num poste de luz. Por mais duas vezes, os cavalos insistem na sua marcha e fazem a roda chocar contra o poste, a roda parte-se e solta-se da carruagem girando perdida em direcção a Isak, que se desvia e evita a roda. A carruagem oscila com violência, presa ao poste, até que um caixão desliza e cai, a carruagem segue o seu caminho. Isak, muito lentamente, avança até ao caixão caído e entreaberto com um braço estendido para fora. A mão mexe e agarra no braço de Isak. Isak perturbado, luta pelo seu braço, do caixão surge ele próprio, puxa-o. Vem buscá-lo para a morte...»

"Smulltronstället" (1957), Ingmar Bergman

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